sexta-feira, 5 de março de 2010

Sagrado, Experiência Religiosa e suas Linguagens

O SAGRADO

• Caracteriza-se como o “TOTALMENTE OUTRO”, está além da esfera do cotidiano, do compreensível, do familiar. Algo que se coloca fora de tudo aquilo que chamamos de racional. É sempre um ato misterioso.
• O sagrado só pode ser experimentado se ele se mostrar. Manifestando-se no espaço e no tempo deixa-se descrever.
• É pleno de valor, possui um valor objetivo que se impõe por si mesmo; ultrapassa toda capacidade de compreensão.
• Aparece-nos como algo que se opõe ao profano.
• Caracteriza-se pela ambigüidade: forças sagradas são físicas e morais, humanas e cósmicas, positivas e negativas, propícias e não propícias, atraentes e repugnantes, favoráveis e perigosas para as pessoas.
• Também é relativo: o que é sagrado para alguns pode não ser para outros. Ex.: eucaristia sagrada para cristãos, apenas pão para outros; a vaca é sagrada para os indianos e apenas um animal para outros.

HIEROFANIA

• É a manifestação do sagrado: uma manifestação que se diferencia do cotidiano, do profano, do normal. Pode se dar por meio de objetos, lugares ou espaço temporal, o que os torna sagrados.
• Objeto: torna-se sagrado sem deixar de ser ele mesmo. A qualidade de sagrado é atribuída a ele por pensamento e sentimento religioso. Objetos sagrados simbolizam o mundo não visto e a atitude diante deles é de respeito e reverência. Os cultos religiosos não se dirigem a símbolos ou outros objetos, mas a um poder que se difunde em tais objetos. A força e os poderes estão na raiz da atitude religiosa.
• Espaços Físicos: todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que destaca um território do meio cósmico e que o torna qualitativamente diferente. Não somente os templos, mas outros espaços também podem ser considerados sagrados.
• Espaços Temporais: o tempo não é homogêneo. Há intervalos de tempos sagrados, como as festas. As festas sagradas apresentam a ritualização de um tempo sagrado ocorrido em um passado mítico. A celebração da festa representa para a pessoa um renascimento com as forças intactas. A conclusão de um ciclo. A atualização do ato cosmogônico.
• O SAGRADO (Rudolf Otto-1869-1937) - Publicado em 1917, ainda hoje é o referencial para qualquer estudo sobre o fenômeno religioso. Descreve de forma científica os aspectos irracionais da experiência do sagrado e a dificuldade de expressá-los. Termos utilizados por Otto: numinoso (referente à divindade), mysterium tremendum et fascinans.

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

• O sagrado é o aspecto essencial que define o fenômeno religioso. Toda experiência religiosa consiste na relação do ser humano com o sagrado. É a relação da vida humana com o transcendente.
• A experiência religiosa consiste no encontro com o numinoso que transcende aspectos morais ou racionais. É o encontro com o mysterium, com o inefável, com uma força maior que atrai e assusta e desperta no ser humano o sentimento de ser criatura.
• O encontro com o numinoso pode acarretar terror e repulsa, mas também atração. A percepção de que está fora dela algo de enorme poder e superioridade, mas que cativa e silencia a alma.
• A experiência do sagrado pode trazer sentido para a vida e incorporá-la às coisas e situações tornando-as também sagradas.
• Existem duas formas de relação com este sagrado: a do “serviço divino” e a de “coação sobre o deus”.
• Serviço divino resulta de uma visão racionalizada e sistematizada do sagrado. O sagrado é visto como um ser supremo, criador do mundo. Desse sagrado só se pode aproximar com súplicas e oferendas.
• Coação sobre o deus mostra o sagrado como uma divindade próxima, ligada ao cotidiano e influenciável por meios mágicos. Nesse caso o sagrado pode ser forçado a se colocar à serviço dos humanos.
• Tanto o serviço divino quanto a coação sobre o deus embora diferentes não são totalmente separados. No serviço divino sempre permanece algo da magia, objetos e ritos utilizados na coação sobre o deus. E nesse último existem também orações e sacrifícios próprios do serviço divino.
• Segundo Weber (1991,p.158-167) o que há de comum entre eles é a relação do “toma lá, dá cá” que caracteriza o fenômeno religioso.Essa característica é comum às religiões das massas e de todos os povos em todos os tempos: o afastamento do mal externo e a obtenção de vantagens externas, “neste mundo” ou em um mundo vindouro.

AS LINGUAGENS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

• Indivíduos, povos, grupos culturais possuem maneiras de expressar suas experiências com o sagrado, com o transcendente, com o deus.
• Trata-se de expressar uma experiência da fé, um testemunho do que foi vivenciado e é considerado verdadeiro e dá sentido à vida.
• São quatro formas específicas de experiência religiosa:

Os Símbolos

• Do grego sym-ballo: união de duas coisas separadas que se complementam.
• Cada um tem seu sentido próprio, mas quando interrelacionadas “a coisa” remete a um segundo sentido. Ex: coração biológico e coração na linguagem amorosa adquire o sentido de amor e afeto.
• As coisas tem sua identidade própria, tem sua própria função (uma pedra é uma pedra), o seu próprio sentido mas o ser humano pode “atravessar” esse primeiro sentido para ver nas coisas de sua experiência fenomênica um segundo sentido.
• O pôr-do-sol, uma flor, um pássaro que voa são realidades profanas, mas podem chegar a ser simbólicas: elas tem um “segundo sentido”, captado por meio do primeiro no cotidiano.
• O símbolo remete a uma outra realidade que é a que importa existencialmente.
• Nem tudo pode virar símbolo. É necessário mediar uma experiência do transcendente em relação ao objeto para que ela se torne um símbolo.
• Não existe, fora do símbolo, nenhuma outra linguagem para a experiência religiosa.
• O símbolo é a linguagem básica da experiência religiosa. Funda todas as outras. É a linguagem do profundo, da intuição, do enigma.

Os mitos

• Do grego mythos tem o sentido de lembrança, pensamento.
• No senso comum mito é considerado ilusão, mentira, coisa boba, primitiva.
• Na linguagem religiosa é o oposto: uma lógica própria de dizer o mundo e expressa como o ser humano se compreende nesse mundo.
• O mito é relato, é narrativa sobre um acontecimento “nas origens de algo”.
• O mito expressa em linguagem religiosa a cosmovisão de um determinado grupo.
• “Mito é um relato de um acontecimento originário, no qual os Deuses agem e cuja finalidade é dar sentido a uma realidade significativa” (CROATTO, 2001).
• Ao recontar o mito a pessoa atualiza o acontecimento sagrado original: ela “vive” o mito.

Três funções do mito:

1. Explicar o mundo, a pessoa e seu ambiente;
2. Vencer o medo e dar segurança ante situações assustadoras, porque “ Deus tudo criou”;
3. Contribuir na construção de valores (bom/mau; certo/errado).

• São dois tipos de mitos:

1. Mitos de vida (criação do mundo, origem do ser humano, fundação de cultos e instituições).
2. Mitos de morte (sobre a vida pós-morte, fim de mundo).
• Estes mitos estão presentes em todas as religiões e estas, por meio de ritualizações, buscam reatualizar o mito.

Os ritos

• O rito é a linguagem gestual da experiência religiosa.
• O mito é palavra, o rito é gesto. Não é uma ação qualquer, mas reafirma o mito imitando uma ação divina
• O rito atualiza o mito buscando contato com o sagrado. Dessa forma “consegue essa participação com o transcendente imitando simbolicamente um gesto primordial” (CROATTO, 2001).
• O rito é a práxis do mito. Ele reafirma o mito.

Tipos de ritos (função)

1. Ritos de passagem (nascimento, batismo, crisma, casamento, morte – levam a pessoa a participar da vida sagrada;
2. Ritos de participação (oração, sacrifício, consagração) – permitem que a pessoa se comunique com as potências divinas e que elas participem de sua vida;
3. Ritos de propiciação (purificação de águas, incenso, ervas) – servem para afastar males e atrair misericórdia e benevolência divinas.

Doutrinas

• É a maneira de sistematizar o crer e o viver da experiência religiosa em um “corpo doutrinário” com o objetivo de cuidar de sua tradição e do ensino.
• O que foi vivenciado e aceito como “revelação” é sistematizado por um corpo escriturístico.
• Essa é a origem de textos sagrados das religiões: Moisés recebeu a Lei direto de Deus; Jesus revelou aos discípulos a vontade de Deus; o núcleo do Alcorão foi revelado a Maomé; no budismo, Buda expõe no Tipitaka a doutrina recebida.
• Os textos sagrados, registram as narrativas fundamentais que servem de orientação para a vida e a prática da fé das pessoas e comunidade das respectivas religiões.
• A doutrina, portanto é um conjunto de ensinamentos que, em geral, tem sua origem em textos sagrados de determinada religião. Daí derivam várias formas de comportamento moral e ético. A doutrina se expressa por meio de credos e dogmas.